Resumo O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós

Resumo do Livro O Crime do Padre Amaro de Eça de Queirós.

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Resumo O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
O Crime do Padre Amaro

1. A vida de José Maria d’Eça de Queirós (1845-1900)

Nascido em Póvoa do Varzim, Eça de Queirós ingressou em 1861 na Universidade de Coimbra. Envolvendo-se com Antero de Quental e seu grupo, participa ativamente da implantação do realismo em Portugal. Formado, advoga e escreve para jornais. Em 1869 assiste à inauguração do Canal de Suez. Em 1872 ingressa no corpo diplomático, passando a trabalhar, como cônsul, fora de Portugal. Primeiro vai servir em Havana, Cuba, depois na Ing;aterra e, finalmente, em Paris, onde morre em 1900. Morreu aos 55 anos, deixando uma das mais importantes obras de toda a literatura luso-brasileira.

2. Primeira Fase: Aprendizado (1865 - 1871)

As primeiras obras de Eça de Queirós impressas foram textos em prosa poética intitulados Notas Marginais, publicados na Gazeta de Portugal em 1866 (depois publicadas como Prosas Bárbaras, em 1905). Influenciado por Victor Hugo, Michelet e Baudelaire, o estreante, carregando nas imagens, metáforas e comparações, envereda por temas históricos e já revela um certo anticlericalismo. Em parceria com Ramalho Ortigão (1836-1915), Eça publica, em folhetins no Diário de Notícias, durante o ano de 1870, o seu primeiro romance, O Mistério da Estrada de Sintra, escrito através de cartas enviadas ao jornal e que relatam um seqüestro na estrada de Sintra. Com a cumplicidade do jornal, os autores conseguiram enganar muitos leitores, que supunham as cartas e a história verdadeiras.

3. Segunda Fase: Realismo-Naturalismo (1871 - 1888)

Segundo Eça: “Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.” Foi seguindo estas premissas que escreveu as obras-primas do período naturalista, que já se anunciava nas Farpas (1871), e na conferência A Nova Literatura, apresentada no ciclo do Casino Lisbonense, no mesmo ano.

3a. O Primo Basílio (1878)

Após a publicação de O Crime do Padre Amaro, Eça de Queirós escreve O Primo Basílio. Nesta obra, o romancista retrata a burguesia lisboeta em toda a sua vacuidade. Inspirado no Madame Bovary, de Flaubert, apresenta a tola Luísa, cujo marido, o medíocre engenheiro Jorge, passa algum tempo, a trabalho, fora de Lisboa. Neste momento retorna a Portugal o primo pelo qual Luísa fora apaixonada na adolescência, Basílio. Mal caráter acabado, Basílio, ao perceber que sua prima estava só, decide conquistá-la. Convence-a de que está na moda, em Paris, as mulheres terem um amante e acaba por arrastá-la ao Paraíso, local de seus encontros amorosos. Mas a criada Juliana descobre uma carta amorosa do casal e passa a chantagear a patroa. Basílio deixa Lisboa e Luísa, incapaz de arrumar o dinheiro para pagar o silêncio da criada, acaba por servir de escrava a Juliana. Quando Jorge retorna, Luísa, ajudada pelo amigo Sebastião, um pobre e servil rapaz, acaba por recuperar a carta incriminadora. Mas abalada, termina morrendo sem saber que Jorge descobrira tudo e a perdoara. De volta a Lisboa, Basílio, ao saber da morte da prima, lamenta não ter trazido sua amante parisiense. Como podemos perceber, não há na obra um personagem heróico, todos são movidos por interesses mesquinhos e guiados pelas aparências.

3b. Os Maias (1888)

Considerado por muitos a obra-prima do romance português, Os Maias tem como subtítulo Episódios da Vida Romântica. Através da história incestuosa do jovem médico Carlos da Maia e sua irmã Maria Eduarda, Eça de Queirós, além de criticar as aventuras de amor românticas, pinta um painel demolidor da sociedade portuguesa. Ministros, jornalistas, maestros, poetas, professores, ninguém escapa da ironia devastadora de Eça. Nem mesmo João da Ega, porta-voz das críticas do próprio Eça, que é um ocioso inútil.

4.Terceira Fase: Nacionalismo Nostálgico (1888 - 1900)

Na terceira fase da obra de Eça de Queirós, o romancista, longe de sua terra, passa a defender o retorno de seu país às suas origens tradicionais. No romance A Ilustre Casa de Ramires (1900), a personagem do título não consegue se colocar à altura de seus antepassados medievais, cuja história tenta recompor. Outras obras desta fase são A Correspondência de Fradique Mendes (1900) e A Cidade e as Serras.

4a. A Cidade e as Serras (1901)

Narrado por José Fernandes, o romance conta as atribulações de Jacinto de Tormes, fidalgo português nascido em Paris. Milionário e culto, Jacinto se cerca das mais sofisticadas invenções do mundo moderno, de milhares de livros e de inúmeros amigos influentes e superficiais. Mas absorve-o um constante tédio. Indo a Portugal em companhia de José Fernandes, para reformar o cemitério dos antepassados na sua propriedade rural em Tormes, Jacinto se vê, para seu desespero, desligado da civilização que tanto preza. Depois de algum tempo, no entanto, para surpresa do amigo, Jacinto se apaixona pelo campo, torna-se alegre, casa-se com a robusta Joaninha, passa a ajudar os camponeses e decide ficar para sempre em Tormes. Trata-se, portanto, de uma clara defesa do retorno de Portugal a suas origens ruralistas.

O Crime do Padre Amaro

Introdução
Primeiro romance realista da língua portuguesa, O Crime do Padre Amaro revelou o maior romancista português e chocou a sociedade da época com sua denúncia da hipocrisia social e religiosa.

O Enredo

Romance anticlerical dos mais ferozes, é ambientado em Leiria, onde o Padre Amaro Vieira, ingênuo e psicologicamente um fraco, vai assumir sua paróquia. Hospedando-se na casa da Senhora Joaneira, acaba por se envolver sexualmente com sua filha, Amélia. Amaro conhece, então, o cinismo dos seus colegas, que em nada estranham sua relação com a jovem. Grávida, Amélia acaba por morrer no parto e Amaro entrega a criança a uma "tecedeira de anjos". Morta também a criança, Amaro, agora um cínico descarado, prossegue com a sua carreira. O romance, que critica violentamente a vida provinciana e o comportamento do clero, foi, durante décadas, leitura proibida em muitas escolas de Portugal e do Brasil.

As Personagens

A intenção de Eça ao escrever o Crime do Padre Amaro não era apenas a denúncia dos vícios do clero devasso, mas também apresentar a vida mesquinha da cidade provinciana portuguesa. Assim, só Amaro e Amélia, as personagens centrais, são criticadas pelo narrador. Também as personagens secundárias são utilizada para revelar as mazelas da sociedade em que estão inseridas.

O Padre Amaro Vieira

O protagonista do romance era filho de dois criados do marquês de Alegros. Perde os pais ainda criança e é educado no meio da criadagem da marquesa, o que faz com se torne "enredador. Muito mentiroso." A marquesa decide que se ele tornaria padre, e assim, aos quinze anos, é mandado ao seminário.
É um fraco tanto física quanto psicologicamente. Aceita o sacerdócio passivamente. Por influência do conde de Ribamar, obtém a paróquia de Leiria, onde se hospeda na casa da S. Joaneira. Lá conhece Amélia, filha de sua hospedeira, e ela torna-se sua amante. O ambiente da casa da marquesa, onde fora criado, e o seminário moldaram o caráter de Amaro. Já sacerdote em Leiria, espanta-se, no início, com o cinismo explícito dos seus colegas de batina, mas todas essas situações, somadas ao ambiente de servilismo beato da casa onde está hospedado, fazem com que ele se atole em ações desonrosas, como entregar seu filho a uma "tecedeira de anjos" e a criança acaba por morrer. No final do romance, ele tornou-se idêntico aos seus pares. Uma conversa entre Amaro e o cônego Dias, mostra, de forma clara, como Amaro e os outros eclesiásticos representam o clero sem vocação e hipócrita. Os dois estão refletindo sobre os excessos da Comuna, afirmam que seus seguidores merecem a masmorra e a forca porque não respeitam o clero e "destroem no povo a veneração pelo sacerdócio", caluniando a Igreja. Então, uma mulher provocante passa diante deles e ambos trocam olhares cúmplices. O cônego exclama: "- Hem, seu Padre Amaro?... Aquilo é que você queria confessar" E Amaro responde: " - Já lá vai o tempo, padre-mestre - disse o pároco rindo - já as não confesso senão casadas!"

Amélia Caminha

A co-protagonista do romance concentra, em sua figura, o resultado trágico de uma formação num meio provinciano e atrasado, centrado em torno do poder eclesiástico. A sua casa é um beatério, centro de convivência dos poderosos e amorais sacerdotes da cidade, em que impera a superficialidade dos rituais e uma deformação dos conceitos religiosos cristãos. Nesta sociedade, a Igreja é parte ativa do poder político, que a utiliza nas suas manobras eleitoreiras e lhe dá privilégios sociais, prestígio e poder.
Amélia vive, portanto, rodeada de cônegos e padres. Aos 23 anos, alta, forte e "muito desejada", possui um temperamento sentimental, romântico e fortemente sensual. Órfã de pai, sua mãe é amante do cônego Dias e ela é uma devota simplória e passiva, atraída pelo ritual católico. Namora João Eduardo, escrevente de cartório. Conhece, então, o Padre Amaro, pároco da Sé de Leiria, hóspede na casa de sua mãe. Apaixona-se e entrega-se a ele com total submissão. Fica grávida e esconde-se numa quinta próxima à cidade, acompanhada de uma fanática beata, irmã do cônego Dias. Recebe a visita do abade Ferrão, único sacerdote decente do romance. Ele tenta recuperá-la para uma vida normal e digna e quer tirá-la da influência nefasta de Amaro. No entanto, Amélia morre no parto.

Personagens secundárias

O narrador do romance, na terceira pessoa, apresenta as personagens secundárias com grande dose de ironia e uma certa antipatia. Como bem o colocou Benjami Abdala Jr:
“Fica muito clara a antipatia do narrador pelo círculo de amigos da S. Joaneira (Maria Assunção, Josefa Dias, Joaquina Gansoso e o beato homossexual Libaninho). O mesmo ocorre em relação aos colegas de Amaro (cônego Dias, padre Natário e padre Brito), pois o narrador parece convencido antecipadamente de seus vícios e grosseirias. O único religioso que se exclui desse círculo é o abade Ferrão, apresentado como uma personagem coerente com seus ideais. A ironia do narrador não é restrita aos religiosos, estendendo-se para o contexto social de Leiria.
Várias personagens são apresentadas de forma sarcástica: o jornalista Agostinho Pinheiro; o venal Gouveia Ledesma, o burguês reacionário Carlos. Nesse ambiente, João Eduardo, noivo de Amélia, enciumado com as atenções da moça ao padre Amaro, escreveu um anônimo “Comunicado” na Voz do Distrito, criticando a covivência de padres com amantes. Rompe-se o noivado: Amélia trona-se amante do padre Amaro.”

Análise da Obra

O REALISMO

O Realismo significou a aparição de uma série de temas novos, mas, sobretudo, uma maneira diferente de entender a literatura. O subjetivismo romântico foi substituído pela descrição da realidade externa. O escritor realista desejava retratar a realidade tal como era, sem deixar de lado nenhum aspecto, por mais desagradável que fosse. A base do romance realista é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Através dos personagens, abordavam-se conflitos sociais: entre a burguesia e o proletariado, entre a sociedade urbana e a sociedade rural, entre a ideologia conservadora e a liberal e progressista. Os personagens eram estudados em detalhe. Segundo Eça de Queirós:

“Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social. Outrora no drama, no romance, concebia-se o jogo da paixões a priori; hoje analisa-se a posteriori, por processos tão exatos como os da própria fisiologia. Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos é a mesma que rege os seres vivos, que a constituição intrínseca duma pedra obedeceu às mesmas leis que a constituição do espírito de uma donzela, que há no mundo uma fenomenalidade única, que a lei que rege os movimentos dos mundos não difere da lei que rege as paixões humanas, o romance, em lugar de imaginar, tinha simplesmente de observar. A arte tornou-se o estudo dos fenômenos vivos e não a idealização das imaginações inatas. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo verifica.”

O Realismo-naturalismo

O Realismo-naturalismo aparece por volta de 1870 como uma derivação do realismo. Recebeu profunda influência de algumas das teorias e doutrinas que estavam no auge naquele momento, sobretudo do materialismo e do determinismo. O Naturalismo considerava a vida do homem resultado de fatores externos (raça, ambiente familiar, classe social, etc.). Influenciado pelas ciências experimentais, o escritor naturalista tentava demonstrar, com rigor científico, que o comportamento humano está sujeito a leis semelhantes às que regem os fenômenos físicos. Se o realismo pretendia ser objetivo e imitar a realidade, o Naturalismo desejava fazer uma análise histórica, social e psicológica da realidade, um estudo profundo a partir de uma ampla documentação prévia.
O Crime do Padre Amaro é a primeira obra naturalista da língua portuguesa. O Realismo-naturalismo é cientificista e determinista, considerando que as ações humanas são produtos de leis naturais: do meio, das características hereditárias e do momento histórico. Portanto, os romances naturalistas, como O Crime da Padre Amaro, procuravam, através da representação literária, demonstrar teses extraídas de teorias científicas. Para isso, o Naturalismo buscou compor um registro implacável da realidade, incluindo seus aspectos repugnantes e grotescos.

A introdução do Realismo em Portugal

As idéias realistas foram introduzidas em Portugal por um grupo de jovens estudantes de Coimbra, liderados pelo poeta Antero de Quental (1842-1891). Em 1865, batendo-se pelas novas idéias realistas, Antero, Teófilo Braga (1843-1824) e seu grupo se envolvem numa polêmica com o escritor e tradutor romântico Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875), conhecida como Questão Coimbrã. Formam, então, uma fraternidade acadêmica, O Cenáculo, e, em 1871, organizam as Conferências Democráticas, no Casino Lisbonense. Encerradas pelo governo, que as temia subversivas, as conferências serviram para o grupo expôr suas idéias, influenciadas por Taine e Proudhon, sobre a necessidade de a arte retratar e revolucionar a sociedade burguesa. Entre os seguidores de Antero estava, desde a faculdade, o jovem Eça de Queirós, que iria introduzir o Realismo na prosa portuguesa com O Crime do Padre Amaro.


AS “CENAS DA VIDA PORTUGUESA”
Eça de Queirós tinha a intenção, nos romances da sua fase naturalista, de pintar um quadro crítico da vida portuguesa. Em famosa carta a Teófilo Braga, na qual o romancista explica suas intenções ao escrever o romance O Primo Basílio, deixa claro que pretende compor um cenário de todas as mazelas da sociedade portuguesa de seu tempo:

“A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa tal qual a fez o Constitucionalismo desde 1830 e mostrar-lhe, como num espelho que triste país eles formam - eles e elas. É o meu fim nas “Cenas da Vida Portuguesa”. É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso - e, com todo respeito pelas instituições de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações que lhe dá uma sociedade podre. Não lhe parece você que um tal trabalho é justo?”

Assim, Eça aborda, em O Crime do Padre Amaro, o clero devasso e a pequena burguesia da província; em O Primo Basílio, a burguesia lisboeta e a instituição do casamento; em Os Maias, a aristrocacia decadente e a alta sociedade preconceituosa; em A Capital, o jornalismo, a política e a literatura.

DA PUBLICAÇÃO

A primeira versão do romance foi publicada entre 15 de fevereiro e 15 de maio de 1875, na Revista Ocidental, quinzenário fundado por Oliveira Martins. Antero de Quental era diretor literário e Jaime Batalha Reis, secretário da revista. Antes de viajar para Newcastle, Eça deixara o original do romance com eles, mas queria revisá-lo à medida que as provas impressas fossem chegando. O problema é que as emendas e os acréscimos eram extensos e em grande quantidade e a distância entre Portugal e Inglaterra, enorme, o que prejudicava a periodicidade da revista e atrapalhava os prazos para a publicação. Além disso, algumas passagens consideradas muito realistas foram cortadas à revelia do autor, possivelmente por Antero de Quental, que não aceitava os aspectos crus do realismo literário. Eça de Queirós ficou furioso e solicitou aos editores repetidas vezes, por carta e telegrama, que fossem mandadas a ele as provas de página e se suspendesse a publicação, já que ele não autorizava a publicação do resto do romance sem antes rever as provas: "As emendas que fiz são consideráveis e complicadas: e se um trabalho - onde o estilo já de si é afetado e amaneirado, todo cheio de pequenas intenções e tão dependente da pontuação - ajuntamos os erros tipográficos - temos um fiasco deplorável". E em outra carta a Batalha Reis mostra o quanto estava irado: "... estou verdadeiramente indignado. Pois quê? Eu dou-vos um borrão do romance - e vocês em lugar de publicar o romance publicam o borrão!"
Embora contrariado, Eça não consegue impedir "a publicação do borrão" e decide: "calar, emendar, refazer tranqüilamente o romance, e publicá-lo num volume - que se pertença e responda por si." Ele pede a Batalha Reis que lhe remeta os capítulos suprimidos na revista e no mesmo mês que a revista termina a publicação do romance, Eça finaliza O Crime do Padre Amaro para publicação em livro. A primeira edição, de 1876, é financiada por seu pai, dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós e sua tiragem foi de apenas 800 exemplares.

A ACUSAÇÃO DE PLÁGIO

Muitos críticos, ao abordarem O Crime do Padre Amaro, quando de sua publicação, acusaram Eça de Queirós de ter plagiado o grande mestre da corrente naturalista, o romancista francês Émile Zola. Entre esses, está Machado de Assis, que, em crítica a O Primo Basílio, publicada na revista O Cruzeiro, em 16 de abril de 1878, assim se refere ao primeiro livro de Eça:

"O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso, já da obra em si, já das doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias.
Que o sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de Queirós, porque ele a tinha, e tem, e a manifesta de modo afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu motivo ao maior defeito na concepção do Crime do Padre Amaro.

O Sr. Eça dc Queirós alterou naturalmente as circunstâncias que rodeavam o padre Mouret, administrador espiritual de uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e ríspido; o padre Amaro vive numa cidade de província, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo de influência e consideração. Sendo assim, não se compreende o terror do padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende que o mate. Das duas forças que lutam na alma do padre Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade; a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa. Haverá aí alguma verdade moral?

Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação do Crime do Padre Amaro. Era realismo implacável, conseqüente, lógico, levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, unia tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o - digamos o próprio termo, pois tratamos de repelir a doutrina, não o talento, e menos o homem, - em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. A gente de gosto leu com prazer alguns quadros, excelentemente acabados, em que o Sr. Eça de Queirós esquecia por minutos as preocupações da escola; e, ainda nos quadros que lhe destoavam, achou mais de um rasgo feliz, mais de uma expressão verdadeira a maioria, porém, atirou-se ao inventário. Pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. Quanto à ação em si, e os episódios que a esmaltam, foram um dos atrativos do Crime do Padre Amaro, e o maior deles; tinham o mérito do pomo defeso. E tudo isso, saindo das mãos de um homem de talento, produziu o sucesso da obra."

É importante notar que Machado não critica apenas as semelhanças entre o livro de Zola e o de Eça. A sua grande restrição ao livro português se dá quanto ao seu estilo. Nessa crítica, Machado há de se colocar frontalmente contra o estilo Naturalista, antecipando o Realismo Psicológico, que haveria de inaugurar no Brasil com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881.
Eça de Queirós, no entanto, responde a seus críticos, como Machado, ao escrever a nota introdutória à segunda edição do livro, em 1880:
"O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da critica, quando foi publicado ulteriormente um romance intitulado O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir nenhuma prova efectiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitação do romance do sr. E. Zola - La Faute de l'Abbé Mouret; ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, as personagens, a intenção de O Crime do Padre Amaro. Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correcto.

O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do sr. Zola, La Faute de l'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875. Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do sr. Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do abade Mouret…
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exactidão, é a simples comparação dos dois romances…
Os criticos inteligentes que acusaram o Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l'Abbé Mouret não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do sr. Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois titulos induziu-os em erro. Com conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou uma má fé cinica poderia assemelhar esta bela alegoria idilica, a que está misturado o patético drama de uma alma mistica, ao Crime do Padre Amaro, que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra de uma velha Sé de província portuguesa.