Resumo Memorial de Aires - Machado de Assis

Resumo do Livro Memorial de Aires de Machado de Assis.

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Resumo Memorial de Aires - Machado de Assis
Memorial de Aires

INTRODUÇÃO

Memorial de Aires é o legítimo testamento literário e existencial de Machado de Assis. O próprio autor afirmou diversas vezes que se tratava de seu último romance. Diversos traços autobiográficos já foram detectados pela crítica na obra. Machado de Assis deixa-se entrever tanto na figura do narrador Aires, quanto no casal Aguiar, que vive em doce harmonia e sofre pela falta de filhos. Através do Conselheiro Aires, um diplomata aposentado que em nenhum momento deixa de ser diplomático nas ações e nas idéias, Machado revela seu “tédio à controvérsia”, sua natureza conciliadora e seu espírito observador. Escrita após a morte de sua esposa, Carolina, a obra traz, no doce retrato de D. Carmo, um retrato nostálgico da companheira perdida. A coincidência dos nomes – Aguiar e Assis, Carmo e Carolina, o carinho extremado, a infertilidade, tudo leva a crer que o casal ficcional seja uma representação pouco disfarçada do casal Assis.

DO ROMANTISMO AO REALISMO

A obra de Machado de Assis pode ser dividida em duas fases. A primeira compreende as obras da juventude, com forte influência do Romantismo, como os romances Ressurreição (1872), A Mão e A Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). O seu estilo apresenta um progressivo amadurecimento, até chegar ao Realismo de suas obras posteriores. Entre estas, destacam-se os cinco romances do período: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).
Em Memorial de Aires, Machado de Assis atinge o ápice de sua preocupação com climas, ambientes, situações existenciais sutis e delicadas. “— E andam críticos a contender sobre romantismos e naturalismos!” Exclama Aires. Alheio a toda essa contenda, o narrador do romance, como Machado de Assis, segue interessado em investigar a fundo o caráter e a psicologia complexa das personagens.

ROMANCES INTERLIGADOS

Ao escrever Quincas Borba (1891), Machado de Assis reutilizou um personagem já falecido no seu romance anterior, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), o filósofo enlouquecido Quincas Borba. Assim, os romances se interligam não exatamente através da personagem, mas através da Teoria do Humanitismo que o filósofo transmite a Rubião, o protagonista do romance.
Também Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908) se encontram interligados. Une-os a figura sábia e diplomática do conselheiro José da Costa Marcondes Aires, fino observador das sutilezas da psicologia humana.

Na Introdução de Memorial de Aires lemos:

“Quem me leu Esaú e Jacó talvez reconheça estas palavras do prefácio: “Nos lazeres do ofício escrevia o Memorial, que, apesar das páginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvez dê) para matar o tempo da barca de Petrópolis.”
Referia-me ao conselheiro Aires. Tratando-se agora de imprimir o Memorial, achou-se que a parte relativa a uns dois anos (1888-1889), se for decotada de algumas circunstâncias, anedotas, descrições e reflexões, — pode dar uma narração seguida, que talvez interesse, apesar da forma de diário que tem. Não houve pachorra de a redigir à maneira daquela outra, — nem pachorra, nem habilidade. Vai como estava, mas desbastada e estreita, conservando só o que liga o mesmo assunto. O resto aparecerá um dia, se aparecer algum dia.
M. DE A.”

POUCA AÇÃO E MUITA OBSERVAÇÃO

A forma adotada no romance é a de um diário. Assim, Machado de Assis pode continuar a escrever no estilo “livre”, repleto de digressões, que caracteriza sua fase Realista. Trata-se do diário de um aposentado, que pouco age, e que está interessado principalmente em observar como se comportam seus semelhantes.
“Sempre me sucedeu apreciar a maneira por que os caracteres se exprimem e se compõem, e muita vez não me desgosta o arranjo dos próprios fatos. Gosto de ver e antever, e também de concluir.”
O conselheiro Aires, portanto, passa boa parte do seu Memorial procurando decifrar como agirão as pessoas. Procura investigar as suas vidas no passado, perscrutar seus mínimos gestos e inclinações no presente, para tentar prever como agirão no futuro próximo. Trata-se de típico narrador "voyeur", que observa as ações de seus conhecidos com atenção, sem nelas interferir diretamente.
Aposentado, o conselheiro insiste no fato de ter tempo de sobra para ir escrevendo seu diário. Assim, o tempo psicológico prevalece na narrativa e, enquanto os fatos se desenrolam linear e rapidamente, Aires vai registrando suas impressões sem a menor pressa. Auto-irônico, critica seu próprio método narrativo:

“Nada há pior que a gente vadia, — ou aposentada, que é a mesma coisa; o tempo cresce e sobra, e se a pessoa pega a escrever, não há papel que baste.”

TEMAS CENTRAIS

O diário se inicia no dia 9 de janeiro de 1888, quando completava-se um ano que o conselheiro sexagenário voltara para o Rio de Janeiro, depois de passar boa parte de sua vida em serviços diplomáticos pelo mundo. Acompanha sua irmã, Rita, ao cemitério, para visitar o túmulo da família e dar graças pelo regresso de Aires. Os irmãos conversam sobre a morte dos seres amados: o marido de Rita e a mulher do conselheiro, que está enterrada na Europa. Vêem, então, Fidélia, jovem viúva que Aires já vira em encontro social. Encantado com a beleza da moça, Aires a observa a rezar em frente ao túmulo do marido.
Alguns temas centrais do romance já irão se delinear desde a primeira cena: as relações entre vivos e mortos e a velhice que os vai aproximando. Torna-se patente, ainda nesse primeiro momento do romance, a curiosidade de Aires a respeito da vida alheia. Principalmente a de Fidélia.

OS VIVOS E OS MORTOS

As relações entre os vivos e os mortos é tema constante na obra de Machado de Assis. Encontra-se em posição central em Ressurreição e em Memórias Póstumas de Brás Cubas, assim como em Dom Casmurro, em que o fantasma do amigo morto, Escobar, ronda a felicidade de Bentinho e Capitu, ressurgindo nos traços do filho do casal, Ezequiel. Ou mesmo em Quincas Borba, nas relações entre Rubião e a memória do filósofo já falecido que empresta seu nome à obra. No Memorial de Aires, o velho diplomata reflete sobre a morte dos conhecidos, antevendo seu próprio final:

“As cartas velhas são boas, mas estando eu velho também, e não tendo a quem deixar as que me restam, o melhor é rasgá-las. Fiquei só com oito ou dez para reler algum dia e dar-lhes o mesmo fim. Nenhuma delas vale uma só das de Plínio, mas a todas posso aplicar o que ele escrevia a Apolinário: “teremos ambos o mesmo gosto, tu em ler o que digo, e eu em dizê-lo”. Os meus Apolinários estão mortos ou velhos; as Apolinárias também.”

As relações de Fidélia (o nome é bem sugestivo) com o marido morto também fornecem material para as reflexões de Aires sobre as relações entre os que se foram e os que ficaram. “— Ah! minha amiga (ou meu amigo), se eu fosse a indagar onde param os mortos, andaria o infinito e acabaria na eternidade.” Observam as pessoas ao constatarem que Fidélia vai casar-se novamente. O conselheiro, sempre comedido, chega à seguinte conclusão:

“Os mortos podem muito bem combater os vivos, sem os vencer inteiramente.”

VELHICE: A SAUDADE DE SI MESMO

A temática da velhice é apresentada, ainda na cena do cemitério, não apenas de maneira literal, mas também metafórica, através das reflexões de Aires sobre o túmulo familiar:

“Não é feio o nosso jazigo; podia ser um pouco mais simples, — a inscrição e uma cruz, — mas o que está é bem feito. Achei-o novo demais, isso sim. Rita fá-lo lavar todos os meses, e isto impede que envelheça. Ora, eu creio que um velho túmulo dá melhor impressão do oficio, se tem as negruras do tempo, que tudo consome. O contrário parece sempre da véspera.”

Se o conselheiro, no trecho acima, aponta para a necessidade de se assumir a velhice, não o faz, no transcorrer do romance, sem uma certa dose de melancolia. “se os mortos vão depressa, os velhos ainda vão mais depressa que os mortos... Viva a mocidade!” diz ao amigo desembargador. E o parágrafo final do romance é um dos mais pungentes lamentos já escritos sobre a mocidade perdida:

“Ao fundo, à entrada do saguão, dei com os dois velhos sentados, olhando um para o outro. (…) Ao transpor a porta para a rua, vi-lhes no rosto e na atitude uma expressão a que não acho nome certo ou claro; digo o que me pareceu. Queriam ser risonhos e mal se podiam consolar. Consolava-os a saudade de si mesmos.”

A TRAMA CENTRAL

Interessado em Fidélia, Aires vai às bodas de prata do casal Aguiar, que a considera como filha. A partir de então, procura se informar tanto sobre a moça, com a qual chega a sonhar estar casando, quanto sobre o casal, que lhe encanta pela duradoura afeição mútua. Descobre que Fidélia casara-se com o Noronha contra a vontade dos pais de ambos, inimigos políticos. Em viagem à Europa, morre-lhe o marido. Regressando, não é recebida pelo pai, Barão de Santa Pia, ou pela mãe e mostra-se fria e desinteressada por qualquer pretendente a substituto do esposo morto. Acolhem-na o tio, o desembargador Campos, antigo colega de faculdade de Aires, e o os Aguiar, que a recebem como a filha que não tiveram. Fidélia aparece para o casal Aguiar como substituta do afilhado amado, Tristão, para o qual também devotaram o seu amor filial, na ausência de um filho próprio. Tristão partira para a Europa e por lá ficara, na companhia dos pais verdadeiros e, aos poucos, foi deixando de se comunicar com os padrinhos.
A esposa de Aguiar, Dona Carmo, merece de Machado de Assis, sempre através do comedido Aires, algumas das palavras mais doces e emocionadas de toda a sua obra. Justifica-se: a personagem é um retrato mal disfarçado e confesso (Machado o confessou a seu amigo Mário de Alencar) de sua recém-falecida esposa, Carolina.
Como Machado de Assis, Aguiar “via as coisas pelos seus próprios olhos, mas se estes eram ruins ou doentes, quem lhe dava remédio ao mal físico ou moral era ela.” Assim era Dona Carmo. Assim era Carolina.
A morte do Barão de Santa Pia, que começava a dar sinais de que perdoaria a filha, coincide com o retorno de Tristão ao Rio de Janeiro. Fidélia, filha única, vai visitar o pai agonizante e, após a sua morte, fica um tempo na fazenda Santa Pia para cuidar dos negócios pendentes. O retorno de Tristão enche de alegria os padrinhos. A alegria chega a seu ápice com o retorno de Fidélia que, aos poucos, vai se apaixonando pelo falso irmão. Casam-se. Mas Tristão se vê impelido a voltar para Portugal, pois havia sido eleito deputado e queria seguir a carreira política. O casal Aguiar, que sonhara com o casamento, para ter seus “filhos” sempre por perto, vê-se frustrado nos seus sonhos e resigana-se a uma velhice solitária e melancólica.

A NARRAÇÃO ATENUADA

Toda essa história, de certo sabor romanesco, é contada por um narrador que diz: “eu não amo a ênfase” ou ainda que “tudo se atenua assim neste mundo, e ainda bem.”
O grande esforço do ex-diplomata consiste exatamente em atenuar a narração, minimizando os lances dramáticos, através do estilo sóbrio, elegante e sempre gentil.
Aires evita criticar as personagens e reserva-lhes sempre um olhar complacente: “eu não odeio nada nem ninguém, — perdono a tutti, como na ópera.”
O conselheiro percebe a dramaticidade de alguns momentos da narrativa e justifica-se: “Se isto fosse novela algum crítico tacharia de inverossímil o acordo de fatos, mas já lá dizia o poeta que a verdade pode ser às vezes inverossímil.”
O leitor é constantemente lembrado de que se trata de um diário de diplomata, que sempre pesa, e muito, todas as suas ações; sempre pensa muito antes de falar ou agir; calcula todas as palavras e os gestos. Desde criança, trata-se de um conciliador:

“Na escola não briguei com ninguém, ouvia o mestre, ouvia os companheiros, e se alguma vez estes eram extremados e discutiam, eu fazia da minha alma um compasso, que abria as pontas aos dois extremos. Eles acabavam esmurrando-se e amando-me.”

“Não morro de saudades por nada”, afirma Aires, que procura sempre mostrar-se neutro e impassível. No entanto, chega a desejar casar-se com Fidélia, para a qual transfere sua impassibilidade, ao imaginá-la a materialização do verso do poeta romântico inglês Shelley: “I can give not what men call love.” ou “Eu não posso dar o que os homens chamam amor.”

O CONTRAPONTO

Nesse contexto, a personagem de Dona Cesária aparece como um contraponto essencial para a figura conciliadora do narrador. Adorando falar mal da vida alheia, odeia tanto Fidélia quanto Tristão. Sobre o caráter do moço lança algumas dúvidas que o narrador, embora discordando, não impede que transpareça sutilmente na narração.

"A mulher, D. Cesária, estava alegre e tinha a pilhéria do costume. Não disse mal de ninguém por falta de tempo, não de matéria, creio; tudo é matéria a línguas agudas. A maneira por que aprovava alguma coisa era quase sarcástica, e difícil de entender a quem não tivesse a prática e o gosto destas criaturas, como eu, velho maldizente que sou também. Ou serei o contrário, quem sabe? No primeiro dia de chuva implicante hei de fazer a análise de mim mesmo."

UM PARENTÊSES: A ABOLIÇÃO

A narrativa do Memorial abrange os anos de 1888 e 1889. Machado de Assis, mestiço e discretamente abolicionista, registra com simpatia, sempre através das palavras atenuadas de Aires, o momento em que a Abolição da Escravatura é concretizada. No dia 19 de abril de 1888, Aires faz a seguinte anotação em seu diário:

“Venha, que é tempo. Ainda me lembra do que lia lá fora, a nosso respeito, por ocasião da famosa proclamação de Lincoln: “Eu, Abraão Lincoln, Presidente dos Estados Unidos da América...” Mais de um jornal fez alusão nominal ao Brasil, dizendo que restava agora que um povo cristão e último imitasse aquele e acabasse também com os seus escravos. Espero que hoje nos louvem. Ainda que tardiamente, é a liberdade, como queriam a sua os conjurados de Tiradentes.”

Contrariando aqueles que acusam Machado de Assis de nunca ter se envolvido com a questão escravista, as palavras de Aires em relação à Abolição fogem ao seu estilo sempre tão comedido e diplomático. Revelam, portanto, o autor atrás do narrador. Através de Aires, Machado de Assis deixa seu testemunho sobre a escravidão. As declarações convictas do conselheiro não deixam dúvidas quanto a seu envolvimento emocional com a questão.

“Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do senado e da sanção da regente. (…) Ainda bem que acabamos com isto. Era tempo. Embora queimemos todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia.”

Mas logo o conselheiro atenua a emoção e retorna à sua vida de “voyeur”. Impassível prescrutador da vida alheia: “Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular.”

VIDA E OBRA
DO MORRO DO LIVRAMENTO À ACADEMIA


Nascido no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, filho de mulato em uma sociedade ainda escravocrata, paupérrimo, sofrendo de gagueira e epilepsia, nada indicaria que Joaquim Maria Machado de Assis teria, ao morrer em 1908, um enterro de estadista, seguido por milhares de admiradores pelas ruas da cidade em que nasceu, viveu e morreu. Autodidata, aos 15 começa a trabalhar em tipografias, onde conhece escritores importantes, como Manuel Antônio de Almeida. Em 1855 inicia sua carreira literária com a publicação de um poema na revista Marmota Fluminense. Consegue, logo depois, um emprego na Secretaria da Fazenda. Trabalha a vida toda na burocracia, na qual vai galgando posições até ser Ministro substituto. Mas a carreira burocrática é apenas uma forma de ganhar o sustento, ainda que humilde, que o possibilita escrever. Contribui com diversos jornais e revistas e, com a publicação de seus livros de poesia, contos e romances, só vai ganhando em notoriedade e respeito. Em 1869, casa-se, enfrentando grave preconceito racial da família, com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais. Em 1876, antes mesmo de publicar a parcela de sua obra mais significativa, já é considerado, na companhia de José de Alencar, um dos maiores escritores brasileiros. Em 1881 inicia a publicação dos seus romances realistas. Em 1896 é um dos principais responsáveis pela fundação da Academia Brasileira de Letras, do qual é eleito presidente vitalício. Em 1904 morre Carolina. Quatro anos depois, Machado de Assis, consagrado como o maior escritor brasileiro, é enterrado com pompa no Rio de Janeiro. O mulato paupérrimo do Morro do Livramento tornara-se um dos homens mais respeitados do país.

O poeta

Machado de Assis iniciou sua carreira literária como poeta. Seu livro de estréia foi Crisálidas (1864), que lhe conferiu imediata notoriedade. Embora sua poesia esteja muito aquém da prosa que o imortalizou, nunca deixou de escrever poemas. Em 1870 lança Falenas, em 1875, Americanas e, em 1901, as suas Poesias Completas, que ainda não incluem um dos seus mais famosos poemas, o belo soneto A Carolina, escrito após a morte da esposa, em 1904.

O cronista

Seguindo a linha dos textos de Ao Correr da Pena, de José de Alencar, Machado de Assis contribuiu durante toda a sua carreira com textos breves para jornais, em que comenta os mais variados assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves, de temática cotidiana, podem ser considerados os precursores da crônica moderna, em que se haveriam de destacar, no século seguinte, escritores como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade. A produção do Machado cronista se inicia já em 1859 e se estende até 1904, com raras interrupções. Sua produção mais madura foi publicada na colunas do jornal Gazeta de Notícias, em que contribui de 1881 a 1904: Balas de Estalo (1883-1885), Bons Dias! (1888-1889) e principalmente em A Semana (1892-1897).

O crítico

Também para os jornais, Machado de Assis escreveu durante toda a vida textos críticos. Sua produção infindável envolve ensaios teóricos, como O passado, o presente e o futuro da nossa literatura (1858), O ideal do crítico (1865) e Notícia da atual literatura brasileira - instinto de nacionalidade (1873), diversas resenhas críticas importantes, como aquela ao livro O Primo Basílio, de Eça de Queirós (1878) e inúmeras críticas de teatro.

O contista

Muitos das centenas de contos que Machado de Assis escreveu ao longo da vida se perderam, com o desaparecimento dos números dos jornais em que foram publicados. Outros estão apenas agora sendo republicados em livro. Sua versatilidade como contista é imensa. Escreveu tanto para os jornais mais sentimentalóides quanto para publicações seriíssimas. A qualidade dos contos varia de acordo com a publicação e o público leitor a que se destinavam. Entre as coletâneas de contos que publicou, destacam-se Papéis Avulsos (1882), com o grande conto, ou novela, O Alienista, Teoria do Medalhão e O Espelho, e Várias Histórias (1896) em que se encontram, entre outras obras-primas da concisão e do impacto narrativo, A Causa Secreta, A Cartomante e Um Homem Célebre.

A fase romântica

Entre 1872 e 1878, Machado de Assis começa a publicar romances. Ainda muito influenciado pelo amigo e mestre José de Alencar, publica, com regularidade britânica, um romance a cada dois anos. Em Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), temos um Machado ainda romântico, mas antecipando alguns temas e procedimentos de suas obras-primas realistas e, principalmente, conquistando um público leitor que já receberia sua revolução realista com boa vontade.

As obras-primas realistas

A mais importante fase da carreira de Machado de Assis concentra-se na trilogia de romances realistas publicados no final do século. O primeiro deles foi Memórias Póstumas de Brás Cubas. Publicado em 1881, além de inaugurar o Realismo brasileiro, apresenta as mais radicais experimentações na prosa do país até então. Narrado por um defunto, de forma digressiva e agressiva, o romance apresenta a vida inútil e desperdiçada do anti-herói Brás Cubas. Utilizando recursos narrativos e gráficos inusitados, Machado surpreende a cada página com sua ironia cortante e, acima de tudo, com a inteligência que prende até o leitor mais desconfiado.
Depois, seguiram-se:

Quincas Borba (1891) narra, na terceira pessoa, as desventuras do ingênuo Rubião, herdeiro da fortuna e do cachorro da enlouquecida personagem Quincas Borba, que já aparecia, e morria, no livro anterior. Através dessa personagem, cômica no seu despreparo para as armadilhas da corte, e trágica no seu destino, Machado ao mesmo tempo ironiza e demonstra as teorias darwinistas tão caras aos naturalistas. O ensandecido "humanitismo" de Quincas Borba, herdeiro direto da "luta pela vida" de Darwin, é sintetizado na frase "Ao vencedor, as batatas!", e acaba por ser comprovado tragicamente pela ação espoliadora do casal Sofia / Palha sobre o provinciano protagonista.
Dom Casmurro (1899) apresenta algumas das personagens mais complexas da literatura universal. Narrado pelo velho Bento Santiago, apelidado Dom Casmurro, apresenta a história de seu relacionamento - namoro, casamento e afastamento - com Capitu, sua vizinha de infância. O narrador se esforça por demonstrar o caráter ambíguo e dissimulado tanto de sua esposa quanto de seu melhor amigo, o hábil Escobar, para assim justificar sua convicção de ter sido por eles traído. Como prova da traição, apresenta a semelhança que enxerga em seu filho, Ezequiel, com o amigo, que supõe pai da criança. Mas o esforço é vão. Se consegue construir a imagem de personagens extremamente complexos, nada nos consegue provar, pois o seu próprio caráter é tão fraco, tão inseguro e titubiante, que o leitor passa a desconfiar de seus julgamentos. Assim, além de construir a eterna dúvida (Capitu traiu ou não Bentinho?), Machado de Assis apresenta o primeiro narrador não confiável da literatura brasileira.
Os últimos romances de Machado de Assis, Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), têm o mesmo narrador personagem, o conselheiro Aires, que pouco age e passa a maior parte da narrativa contemplando placidamente as aventuras amorosas e existenciais dos jovens ao seu redor. A descrição dos dias de perplexidade da população carioca com a proclamação da República, em Esaú e Jacó, é um dos pontos altos da narrativa machadiana.

A Academia Brasileira de Letras

Fundada em 1896, foi um dos mais acalentados sonhos de Machado de Assis no final da vida. Eleito seu primeiro presidente, Machado via na fundação da Academia, nos moldes da Academia Francesa, uma possibilidade de dignificar o trabalho do escritor, acabando com a imagem de malandro boêmio que viera do romantismo, e afirmando-o como um intelectual sério e conseqüente.