Resumo II Memorias Sentimentais de João Miramar - Oswald de Andrade
Resumo do Livro Memorias Sentimentais de João Miramar - Oswald de Andrade
PERSONAGENS
JOÃO MIRAMAR: filho de fazendeiro do interior paulista (família proprietária da Fazenda dos Bambus e Nova-Lombardia, na região de Aradópolis, comarca de Pindobaville);
PARENTES:
TIA GABRIELA: viúva, que se casou novamente; irmã da mãe de Miramar e sogra dele;
NAIR, CÉLIA, CANDOCA OU COTITA (MARIA DOS ANJOS) E PANTICO (JOSÉ ELESBÃO DA CUNHA): filhos do primeiro casamento de tia Gabriela;
CÉLIA: prima e esposa de Miramar;
CELIAZINHA: filha de Miramar e Célia.
COLEGAS DE ESCOLA:
GUSTAVO DALBERT; JOSÉ CHELININI (que veio a se casar com tia Gabriela, exibindo o título de conde, e se tornou sócio de Miramar);
AMIGOS:
DR. PÔNCIO PILATOS: primo de Célia; "agigantada figura moral"; defensor dos interesses da família;
MACHADO PENUMBRA: autor do prólogo do livro e de textos parnasianos, sobretudo como orador;
DR. MANDARIM PEDROSO: figura de projeção na sociedade, poeta e orador festejado;
SR. FÍLEAS: poeta apreciador de floreios parnasianos ( um cosmético de sonetos);
DR. PEPE ESBORRACHA: médico da família;
BRITINHO: respeitado homem de negócios; acabou sócio de Miramar;
BRITINHAS: vizinhas e amigas de Célia;
ADMINISTRADOR DA FAZENDA:
MINÃO DA SILVA: sem instrução, mas atraído pela literatura, escrevia cartas cheias de erros gramaticais;
AMANTE E SUA MÃE:
MLLE. ROLAH: atriz sem talento de cinema, ligou-se a Miramar por interesses financeiros; largou-o quando soube que ele faliu;
MADAMA ROCAMBOLA: mãe de Rolah, que sobrevivia praticando ocultismo de falcatruas e que apoiou o "caso" da filha com Miramar;
FIGURANTES:
MADÔ: filha do professor MONSIEUR VIOLET, menina que perturbava o sossego de Miramar quando estudava na casa dela;
MADÔ: moça filha de um comerciante francês que Miramar namorou ocasionalmente em sua viagem à Europa.
ENREDO
INFÂNCIA
João Miramar passou a infância em S. Paulo, que era então uma região sossegada, sob o controle da mãe, uma pessoa religiosa.
Ele se recorda da doença do pai e de sua morte, mas de um modo muito vago. Depois que ele morreu, a mãe e o filho mudaram-se para uma casa que tinha quintal, com uma figueira bem perto da janela. Quando assistiu a um espetáculo de circo, o menino teve vontade de ir embora com os ciganos.
Miramar estudou na escola mista de D. Matilde. Um colega, certa vez, se machucou com um pedaço de pau; por isso, a mãe de Miramar o proibiu de brincar com arma até de brinquedo. Maria da Glória era uma preta velha que perambulava nas ruas com um guarda-chuva; o grande guerreiro, Napoleão, que ela conheceu em Pernambuco, disse que o dia mais feliz de sua vida foi aquele em que Miramar fez a primeira comunhão.
Depois de mais crescido, Miramar não pôde continuar na escola mista. Um dos novos professores chamava-se Seu Carvalho; era um ateu, para quem a Natureza é Deus. Quem acompanhou o menino nos estudos particulares foi Monsieur Violet. Miramar passava horas na sala da casa dele; volta e meia, Madô, a menina filha do professor, aparecia na sala bisbilhotando e distraindo o aluno. O professor morreu de repente; quando Miramar chegou para estudar, encontrou-o num caixão pobre, a viúva envelhecida no velório e Madô chorando.
O diretor do colégio era um padre barrigudo, de pele avermelhada; o professor de Desenho chamava-se Seu Peixotinho. A mãe queria que Miramar fosse o melhor aluno, mas ele preferia farrear e freqüentemente era o último a chegar ao colégio. Entre os colegas, sobressaíam: José Chelinini, um ruivo meio aristocrático, que simpatizava com Miramar e que tirava da cabeça deste o que a mãe ensinava; Pita, o primeiro da classe, soprava lições de latim e de inglês para Miramar; Dalbert, músico, queria morar em Paris com Miramar, poeta; Bandeira, o barítono...
A mãe, acompanhada do filho, foi morar em Nova Lombardia, com a irmã, a tia Gabriela, também viúva. Miramar passou a conviver com primos, criados e governanta. O primo Pantico perturbava Miramar com suas brincadeiras, não era uma criança bem-educada. Os dois viviam inventando molecagens, com a reprovação das pessoas família, que Miramar achava abomináveis. As filhas da tia Gabriela – Nair, Célia e Cotita – estudavam internas em outro colégio. Em carta a Pantico, Nair contou que as colegas namoravam entre si porque não havia rapazes na escola; algumas com 6 anos já não eram inocentes: "têm desde pequenas aqueles olharezinhos que mais tarde servirá (sic) para a malícia".
PERÍODO PÓS-ESCOLAR
No discurso de término de curso, Seu Madureira disse aos alunos que haveriam "de encontrar muitas vezes abismos recobertos de flores" na estrada da vida.
Chelinini já se decidira a ingressar no comércio; Miramar e Dalbert passaram a vagabundear; João Jordão, sem vocação artística, conseguiu uma bolsa do governo para estudar pintura em Paris; Bandeira sonhava ser diplomata e escrevia versos de poesia vagabunda.
Certa vez, freqüentando um teatro de baixa categoria, Miramar se arrebatou por Gisella, atriz-cantora, e cultivou essa paixão.
A mãe autorizou Miramar a passar o primeiro Natal fora de casa. Em Santos, ele viu o mar.
Dalbert partiu de navio para a Europa.
Deixando a mãe doente, mas sendo medicada, Miramar passou as férias de dezembro com a tia Gabriela, que estava morando com as três filhas; Pantico tinha ido para os Estados Unidos. Desde então, Miramar se despertou para o gosto de viajar.
VIAGEM À EUROPA
A bordo do navio Marta, lá se foi Miramar com destino à Europa. Entre os viajantes destacavam-se várias mulheres grávidas, uma argentina, uma italiana interessada nele, a loura Madama Rocambola e a filha Rolah, que Miramar namorou, como nos filmes.
Ele se encantou com a visão do Rio de Janeiro, sobressaindo o Pão de Açúcar, um teorema geométrico; foi marcante a visão noturna de Tenerife. O navio atracou em Barcelona.
Da Espanha, Miramar seguiu para Paris. Conheceu os pontos turísticos tradicionais. Encontrou-se com Dalbert, mais magro, que o levou a peças de teatro, a concertos – como os de Sarah Benhardt em Luxemburgo.
Em Paris, Miramar namorou a filha de um dono de restaurante, Madô. Com ela foi à Alemanha. Na Itália visitou Milão; o Vaticano ( a pintura de Rafael, a ventania sobre as estátuas da Colunata de Bernini, deixando os turistas assombrados...); Nápoles ( o Vesúvio); Veneza (palácios, praça bizantina, comércio, serenatas noturnas, cais sujos trafegados por pessoas ricas); os Alpes (viu alpinistas); Aix (com albornozes, cafetãs, o lago, montanhas, propagandas de praias). Na Inglaterra, conheceu os hábitos dos ingleses, o British Museum, o Picadilly (freqüentado por ingleses duros)...
Certo dia, junto com a remessa de dinheiro, chegou um telegrama para que ele retornasse logo. Voltou para a França: Montmartre, comemorações do dia 14 de Julho, Festa nacional da França.]
Viagem de retorno: África ceuta, las Palmas, Dacar.
Do porto até S. Paulo viajou de automóvel, à noite, sob forte chuva. Encontrou a casa de luto: morreu a mãe.
NAMORO E CASAMENTO
Na Estação da Luz, os olhos de Miramar começaram a "almoçar " os olhos da prima Célia. Ele ia para Nova-Lombardia, região natal do pai. O cenário lembrava o far-west do cinema. À noite, sapos, grilos, taque-taque do relógio, saias gordas e cigarros.
O namoro com Célia acabou em casamento. O casal sonhava fazer uma viagem de lua-de-mel pela Europa, longe dos cenários brasileiros, em hotéis, entre catedrais da Idade Média...
Miramar e Célia viviam o dia-a-dia da fazenda: plantio de café, sogra-tia dele saudosa do marido falecido e do filho Pantico, que estudava em colégio da Europa... Os dois se isolavam para amar; preferiram ficar a sós na casa de S. Paulo.
Acabaram resolvendo morar no Rio. Para lá foram de navio e ficaram admirados na contemplação da Bahia de Guanabara: os barcos, Copacabana; do outro lado, a Sera dos Órgãos.
A vida do casal no Rio era rotineira: Miramar desenvolvia o físico, mas Célia não se entusiamava com isso, achava que ele deveria ter vocação mais nobre. Receberam a visita do primo Dr. Pôncio Pilatos, que lhes propôs mudarem do Rio.
Pantico escreveu dando notícias de sua vida num colégio europeu; já estava falando francês e inglês.
Tia Gabriela viajou para a Europa. De lá mandou uma carta narrando fatos da viagem: as filhas estudavam piano; Pantico mudou de colégio, pois havia tomado um tapa de um padre... Ela ficara conhecendo o Sr. José Chelinini, que a acompanhava nos passeios.
Miramar e Célia foram morar na casa de Higienópolis. Ela cuidava do jardim; ele ia alguns momentos ao escritório para acompanhar a cotação do café. Recebiam visitas freqüentes e gulosas dos doutores Pepe, Pilatos, de Fíleas, de Machado Penumbra. Além disso, apareciam também as Britinhas. Conversavam, ouviam Célia ao piano, comiam bananinhas com café com leite... Miramar, longe dos cafezais, tinha como atividade principal o bilhar, não gostava de pesquisas científicas.
S. Paulo era uma cidade de cabarés, automóveis, danças, lamparinas e lampiões, sapos, grilos, rio Tietê...
Com a venda do café, o casal comprou o carro de seus sonhos, uma William Six, 40 HP.
Nasceu a filhinha de Miramar e Célia, a Celiazinha. O administrador da fazenda escreveu uma carta parabenizando o casal e dando notícias das lavouras de café.
A família foi passar uns meses na fazenda: Celiazinha no colo da Maria Portuguesa, Célia ao piano; máquina de café; bodes; porcos; italianos; negros...
Enquanto isso, Pantico deixou de morar com as irmãs na França e mudou-se para a Bélgica, tomada pelos alemães, correndo o risco de ser fuzilado ou morrer de fome. Acreditava Miramar que os nazistas seriam derrotados em algumas semanas.
A França também foi invadida pelos alemães, Paris ameaçada. Tia Gabriela, que estava lá com as filhas, quase foi presa. Machado Penumbra, em seus discursos sul-americanos, defendia a guerra como meio de serem derrocados falsos valores. Dr. Pilatos previa a bancarrota econômica do Brasil, país que se mantinha neutro. Mas Mendes Mindela contestava, afirmando que S. Paulo era como um gato, não morreria facilmente. Todos os freqüentadores da casa de Miramar, porém, maldiziam o kaiser.
Tia Gabriela pedia constantemente a Miramar e à filha que lhe remetessem redobradas quantias de dinheiro e temia pela sorte de Pantico em Bruxelas, nas garras dos alemães (ele havia levado um tapa, num café, tomado por espião).
Fugindo da guerra, Mlle. Rolah – a mesma que Miramar tinha namorado em seu cruzeiro marítimo na época de solteiro - veio parar em Pernambuco.
Pantico escreveu para Célia, reclamando das irmãs e prometendo matar o bandido Chelinini. Ele queria retornar para o Brasil, tão logo os alemães, vitoriosos, permitissem. Já fora preso por eles duas vezes.
O Conde Chelinini e tia Gabriela participaram seu casamento em Nice. Dr. Pepe se revoltou com a intromissão de Chelinini na família; o culpado era Pantico, ele poderia ter detido o conde, indo em auxílio à fraqueza da mãe.
TRAIÇÃO MATRIMONIAL DE MIRAMAR
A atriz Mlle. Rolah hospedou-se no Hotel Suíço. Miramar passou a encontrar-se com ela e alugou uma casa longínqua para ela morar com a mãe, Madama Rocambola. Todas as manhãs, Miramar ia ter com Rolah, mantendo um "caso" estável. Dr. Pilatos colocou Rolah na galeria das mulheres fatais, a partir de Cleópatra.
Para poder ficar mais livre em sua condição de amante – já que Rolah firmara contrato com a Empresa Cinematográfica Cubatense – Miramar tornou-se sócio dessa empresa e transferiu a residência de Célia e Celiazinha para Santos.
Célia era rica e Miramar, pobre; mas ele achava que, como empresário, ficaria mais rico do que a mulher. O sócio Banguirre y Menudo dizia: "Vamos a nos quedar unos millionarios, hombre."
Britinho, com fama de sério e bem-sucedido homem de negócios, entrou num projeto de ampliação da empresa de Miramar.
Em conversa com Célia, ela expôs ao marido não achar bom negócio investir na empresa. Manifestou preocupação com os pedidos de dinheiro da mãe e com o otimismo de Miramar que, irritado, garantiu-lhe que não iria jogar fora nem a herança que recebera do pai nem a riqueza dela.
São Paulo era a cidade dos negócios; os antigos imigrantes sírios e italianos iam morrendo e surgiam empresários ricos, que moravam em casas ajardinadas. Era também a cidade do teatro, da arte, dos amores...
A rotina de Miramar continuava em ritmo de normalidade e felicidade: saída de Higienópolis diariamente de trem; empresa filmando; amor de Rolah com a cobertura de Madama Rocambola...
Tia Gabriela voltou para o Brasil com as filhas, Nair e Cotita, e, naturalmente, com o marido, Conde Chelinini. Também parentes deste – gente sem educação – vieram. As duas famílias se congraçaram em festas.
O Conde Chelinini quis investir na Empresa Carioca de Saibros e Sementeiras. Como precisasse de endosso de alguém que não fosse parente, o Britinho entrou na empresa. Mas a sólida Trancoso Carvalho não aceitou mais entrar nos negócios daquela família.
Os sócios estrangeiros da empresa de cinema se desentenderam – um deles estava se envolvendo com uma artista italiana. Os sócios brasileiros, Miramar e Britinho, tiveram prejuízo financeiro; aliás, Britinho também tinha um "caso" com Catarina Pinga-Fogo.
Estava comum mulheres investirem em fazendeiros para se casarem com eles ou explorá-los. A crise instalava-se no Brasil, mas procurava-se padrão de vida sofisticado. As velhas beatas insexuadas se insurgiam contra as imoralidades. A elite paulistana desenvolvia intensa vida social. As épocas de eleições eram verdadeiras festas, " o povo forte contentava".
Célia acidentou-se: levou uma chifrada de boi. Dr. Pepe tratou dela com solicitude. Na visita que Miramar lhe fez, ela, chorando, contou-lhe da carta anônima denunciando o envolvimento dele com a atriz, fazendo-o notar que isso o estava arruinando.
No entanto, a paixão de Miramar por Rolah permanecia intensa, manifestada por presentes, até de jóias, que ele lhe ofertava. Com isso, Miramar estava deixando de ir ao escritório da empresa, que ficava entregue totalmente aos cuidados do Conde Chelinini. Até a William Six estava por conta deste. Por ocasião do carnaval, por exemplo, Miramar alugou um carro para cair na folia com Rolah e Madama Rocambola. Ele e seus sócios Britinho e o Conde se divertiram muito no carnaval, tendo antes passado nos bancos para contrair empréstimos.
Célia também se divertira no carnaval com a filha no clube.
A SEPARAÇÃO DO CASAL E A FALÊNCIA DA SOCIEDADE COMERCIAL
Um telegrama de Célia exigia a imediata presença de Miramar na Fazenda dos Bambus. Ela pedira o divórcio.
No escritório do antigo advogado da família, Miramar ouviu a denúncia de seus desvios matrimoniais, da dilapidação dos bens e da falência comercial ( o Conde Chelinini havia testemunhado que Miramar enriquecera embolsando dinheiro da empresa).
Em Higienópolis, correu rápida a notícia da falência de Miramar. Quem o abandonou foi Rolah, que, cercada de gigolôs, reclamava em bilhete deixado com a mãe que Miramar nunca chegava a completar os 50 contos que lhe prometera.
Os credores da empresa se apressaram em reembolsar os empréstimos cedidos. Os nomes dos sócios falidos (Miramar, o Conde e Britinho) eram os mais citados no Fórum Cível Paulista. Foram leiloados os únicos bens que garantiam as dívidas da empresa: a herança legada pela mãe de Miramar.
O conde abandonou tia Gabriela, chamando-a de velha saliente, e desapareceu. Britinho foi assassinado numa emboscada.
A cunhada de Miramar, Nair, viajou do Rio para S. Paulo com o fim de exigir seus direitos sobre as fazendas não inseridas como garantia das dívidas. O divórcio, em tramitação judicial, cada vez restringia mais os bens de Miramar.
Tia Gabriela morreu. Seu contrato de casamento havia limitado bastante os direitos do conde viúvo. Os bens deixados em testamento eram vultosos. As filhas Nair e Célia, presentes na agonia da mãe, conseguiram praticamente excluir do inventário o ingrato e longínquo Pantico e Cotita, que estava em Minas com um namorado.
Aos 28 anos, Célia morreu de pneumonia na Fazenda dos Bambus.
Pantico, homem feito, chegou de viagem. Apoiou Miramar no empenho deste de ficar com a filha Celiazinha, agora milionária, que a tia Nair havia levado para o Rio.
Miramar mudou-se para um apartamento de dois quartos na Praça do Arouche, onde passou a viver com sua filha. Ela crescia e estudava. Ensinou ao pai, por exemplo, que D. Pedro I era um perdulário e D. Pedro II, um preguiçoso.
Dr. Pilatos fez uma viagem pela Europa. De lá escreveu para Miramar contando suas andanças, incluindo o episódio de ter visto uma placa na qual se anunciava José Chelinini como professor de dança.
CENA FINAL
Com o título "Entrevista entrevista", Miramar relata que um repórter deseja saber por que ele não continua escrevendo suas memórias, já que é um ilustre escritor e privará a literatura de seu talento. Ele se nega e alega que já tem sua recompensa: a opinião do Dr. Pilatos, segundo a qual as "Memórias" lembram Virgílio, apenas um pouco mais nervoso no estilo.
Comentário
O livro "Memórias Sentimentais de João Miramar" se reporta ao período anterior e contemporâneo à Primeira Grande Guerra, em São Paulo. Os personagens têm a mentalidade-tipo daquela época. O próprio João Miramar apresenta muito de autobiográfico: Oswald de Andrade recorda seu tempo de estudante de Direito nas caravanas cívicas, nos grêmios literários do interior...
O livro é, ao mesmo tempo, diário sentimental e jornal de interior, cuja vida social depende da cultura e venda do café. "É uma tentativa seríssima de estilo e narrativa, ao mesmo tempo que um primeiro esboço de sátira social. A burguesia endinheirada roda pelo mundo o seu vazio, as suas convenções, numa esterilidade apavorante" (Antônio Candido), destacando-se as ociosas viagens marítimas.
Nesta obra, assim como em outros livros de sua autoria, Oswald de Adrade aproveitou as técnicas do vanguardismo europeu e as adaptou à transmissão literária de um país em transição: primeiras décadas do século XX, contexto social e mental da realidade urbana em processo inicial de industrialização, mas culturalmente presa ao passado parnasiano, econômica e politicamente contaminada pela guerra européia.
A divisão das partes não é em capítulos, mas em episódios-fragmentos, ou seja, fatos não interligados na seqüência em que foram redigidos. O enredo tradicional não existe, pois a sucessão dos fragmentos se faz como se fosse uma prosa cinematográfica , isto é, desenvolvida com descontinuidade cênica ( as cenas não se sucedem na ordem cronológica, mas, sim, numa ordem de simultaneidade; elas são apresentadas ao mesmo tempo, embora possam ligar-se a fatos anteriores e posteriores como se fossem do mesmo momento). É uma espécie de "romance espacial" . Planos diferentes, ou seja, assuntos de diversas naturezas ou épocas variadas se interpenetram sem seqüência linear. É a técnica da colagem: junção de pedaços sem coesão e sem coerência, misturando textos de varias naturezas: cartas , diário, discursos, poemas...
Outro aspecto característico da linguagem empregada no livro é o pictórico, isto é, visual. Muitas vezes, os detalhes da descrição formam uma espécie de quadro de pintor moderno, em que os objetos descritos oferecem uma visão absurda.
O autor chamou este livro, publicado em 1924, de " o primeiro cadinho de nossa prosa nova". (Cadinho é o lugar onde as coisas se fundem). Com ele, Oswald de Andrade punha em prática as pretensões do Manifesto Pau-Brasil.
"Miramar" é o romance-experiência, marco zero, que abriu caminho para "Macunaíma", de Mário de Andrade, e outros, inclusive para "Serafim Ponte Grande", do mesmo Oswald. Estava sendo criada uma nova linguagem de ficção vanguardista.
"Miramar" e "Macunaíma" têm em comum, por exemplo, a paródia que, em vários textos, satiriza o artificialismo de uma linguagem anacrônica assumida pelos parnasianos: verbosidade oca e pretensiosa. Em "Miramar", ver os discursos de Machado Penumbra e do Dr. Mandarim Pedroso. Oswald vai mais longe nesta paródia através do personagem Minão da Silva, um agregado de fazenda, sem estudos, que gosta de se expressar literariamente, uma sátira dentro da sátira.
Tendo ou não lido "Ulysses" - obra publicada em 1922 com edição restrita, do irlandês James Joyce, citado mundialmente como o grande revolucionário da linguagem literária - , Oswald de Andrade fez essa mesma revolução no Brasil. Mais tarde, ele escreveria que Joyce foi quem começou o romance moderno. Ambos os escritores têm a paródia como recurso fundamental.
Oswald foi o primeiro importador do Futurismo em nossa literatura, movimento lançado por Marinetti em seu manifesto de 1909, publicado no jornal "Figaro" de Paris: "Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a corrida, o salto mortal, a bofetada e o soco", declarava o italiano na França, por onde andava Oswald na época. Em suma: foi o manifesto da desordem total em relação à estruuração literária anterior. Marinetti havia pregado o estilo da "immaginazione senza fili", imaginação completamente livre, solta de qualquer ligação racional. Oswald, na introdução de "Miramar", feita pelo personagem Machado Penumbra, caracteriza o livro como estilo telegráfico.
Oswald de Andrade tinha plena consciência de tudo o que foi trazido neste comentário. Prova-o a introdução de "Miramar", quando o personagem, que a redige com o título de "À guisa de prefácio", revela que a obra é transição numa época de guerra. Portanto, abandona-se o velho sentimentalismo racial dos parnasianos. Se o Brasil é um país privilegiado e moderno, a arte também deve ser assim. O livro se propõe a cumprir esse objetivo de modernidade da arte. Por isso, também a linguagem – glótica, como ele escreve – é revolucionariamente abusiva.