Izete Fragata Torralvo*
Especial para o Fovest
Expansão do comércio e da indústria, urbanização, difusão de ideais de liberdade, associados à recente independência, dão ares de modernidade ao Rio de Janeiro e criam um certo orgulho em ser brasileiro. Orientados pela visão apaixonada do Romantismo, artistas e intelectuais buscam definir a identidade nacional.
Simultaneamente, surge um público, ainda que reduzido, interessado em ver nos palcos não somente peças francesas ou óperas italianas, mas também as histórias brasileiras. É nesse contexto que surge Martins Pena. Diferentemente da poesia e do romance romântico de seu tempo, ele não tratou de modo idealizado as questões da nacionalidade, mas focalizou a sociedade do Segundo Reinado naquilo que ela tinha de inocência e ridículo.
O dramaturgo soube apresentar com graça e simplicidade as intrigas triviais da vida de roceiros, viúvas assanhadas, juízes corruptos, moças casadouras, enfim, espelhava no palco, por meio de tipos caricatos, o cotidiano conhecido do público.
E, nesse espelhamento bem- humorado, punia os maus, premiava os bons, satirizava os poderosos e colocava em prática a idéia já antiga de que é rindo que se corrigem os vícios e se aperfeiçoam as virtudes. O Noviço é uma dessas comédias de costumes que, sem rodeios ou sofisticações nas falas e nas situações, apresenta a história de Carlos, rapaz endiabrado, que é enviado a um convento por decisão de sua tia e tutora. Não tendo vocação para a vida religiosa e apaixonado pela prima Emília, Carlos foge do convento e se dedica a desmascarar o ambicioso Ambrósio Nunes, segundo marido de sua tia.
Esse homem viera do Ceará, de posse da herança de sua jovem esposa, Rosa. Na corte aplica um segundo golpe: casa-se com a viúva rica Florência. Com a intenção de tomar para si o dinheiro da segunda esposa, cria um plano: convencer Florência a confinar em um convento o sobrinho tutelado Carlos e preparar os filhos, a jovem Emília, e o garoto de nove anos, Juca, para serem religiosos.
Trapalhadas, enganos de identidade, disfarces, encontros inesperados, cartas comprometedoras que vão parar em mãos equivocadas desenvolvem a trama. O trapaceiro Ambrósio, com sua capacidade de seduzir e enganar a inocente Florência, só é desmascarado quando Rosa, a esposa abandonada em Maranguape, chega ao Rio de Janeiro e, de posse da certidão de casamento, consegue um mandado de prisão, ao provar a bigamia do farsante Ambrósio.
Carlos consegue fazer valer a sua vontade de abandonar o noviciado, é perdoado pelas fugas e pelas estripulias promovidas no convento e declara seu desejo de casar-se com a prima Emília. Ambrósio é levado à prisão, as duas mulheres enganadas sentem-se vingadas, e o Mestre de Noviços abençoa a futura união de Carlos e Emília.
Por que Martins Pena encanta e faz rir há mais de 150 anos? Talvez a resistência e a atualidade do teatro de Martins Pena advenha do talento especial do autor em selecionar com perspicácia hábitos, valores, modos que definem a essência de ser do brasileiro. Mas é inegável que colabora para a perenidade o fato de ainda hoje vermos refletidos nas comédias do comediógrafo problemas crônicos do Brasil. Afinal, não continuamos a reclamar e até mesmo zombar da leviandade no serviço público? Da morosidade da Justiça, dos subornos e dos golpes de espertalhões? É esse universo meio trágico, meio cômico que tem eternizado o teatro da época regencial brasileira.