Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
A educação pela pedra, 1966
ANÁLISE
João Cabral de Melo Neto consagrou-se como um dos maiores poetas dos últimos tempos graças ao seu estilo pouco usual. João era seco tanto que fez uma poesia sobre a pedra!!. Aqui a pedra ensina ao homem. A pedra, um objeto inanimado, duro, frio, que à princípio não tem nenhuma qualidade, não demonstra nada, não faz nada, é passada despercebida, ganha em João Cabral essa poesia fantástica. Só mesmo ele para tirar leite de pedra!.
O poeta detestava música, comparava a poesia a um cálculo matemático, relegava a emoção a segundo plano para chegar à perfeição da construção do poema, calcado na colocação das palavras precisas e fundamentais para cada espaço do papel, nada a mais, nada a menos, só a precisão, o contido, o visual.
Sobre o poeta, que morreu em 9 de outubro de 1999, os concretistas Haroldo e Augusto de Campos falam:
"É quase impossível falar sobre João Cabral sem recorrer abundantemente aos seus próprios versos. É que Cabral, como Mallarmé no século passado, como Pound e Maiakóvski, no presente, é um poeta-crítico, ou seja, um poeta que analisa e critica o próprio fazer poético em seus poemas [...] a melhor crítica de poesia que se fez neste século não foi feita por críticos, mas por poetas, em poemas como (...) "Antiode", em "Psicologia da composição", em "A palo seco", de João Cabral. [...] Contra os que querem "poetizar o seu poema", fazê-lo dócil, submisso às concessões sentimentais, Cabral (...) opõe o dique de sua poesia-prosa, sua poesia-crítica, sua poesia-pedra".
Augusto de Campos, "Da antiode à antilira", texto de 1966, reeditado em Poesia, antipoesia, antropofagia, Cortez & Moraes, 1978.
"A obra de JCMN, obra que está longe de seu término e que nos reserva ainda muitas surpresas, é hoje sem dúvida a que mantém maior unidade e coerência de produção, dentro de um alto gabarito, na poesia brasileira. Obra que honraria qualquer literatura e que em qualquer literatura seria rara pela sua qualidade [...] entre os poetas, especialmente na nova geração, a poesia de JCMN tem um lugar privilegiado: o lugar cartesiano da lucidez mais extrema".
Haroldo de Campos, "O geômetra engajado", texto de 1963, reeditado em Metalinguagem e outras metas, 4ª ed. revista e ampliada, Perspectiva, 1992.